terça-feira, 6 de julho de 2010

Fragmentos de dor


“O esconjuro, se servir, é apenas o seu som – o que cura é o ar que as palavras exalam.” Dás reviravoltas ao corpo e à imaginação para afastar a tristeza. Mas quem te disse que é proibido estar triste? A verdade é que, muitas vezes, não há nada mais sensato que estar triste; todos os dias acontecem coisas, aos outros, a nós, que não têm remédio, ou melhor, que têm esse antigo e único remédio de nos sentirmos tristes. Não deixes que te receitem alegria, como quem prescreve uma temporada de antibióticos ou colheres de água do mar com estômago vazio. Se deixares que tratem a tua tristeza como se fosse uma perversão ou, na melhor das hipóteses, uma doença, estás perdida: além de triste irás sentir-te culpada. E tu não tens culpa de estar triste. Não é normal que sintas dor quando te cortas? Não arde a pele se te dão uma chicotada? Pois, do mesmo modo, o mundo, a vaga sucessão dos factos que acontecem (ou dos que não acontecem) criam um fundo de melancolia. Já dizia o poeta Leopardi: “Tal como o ar enche os espaços entre os objectos, assim a melancolia enche os intervalos entre um prazer e outro.” Vive a tua tristeza, tacteia-a, desfolha-a nos teus olhos, molha-a com lágrima; envolve-a em gritos ou em silêncio, copia-a em cadernos, anota-a no teu corpo, anota-a nos poros da tua pele. Pois só se não te defenderes fugirá, por momentos, para outro lugar que não o centro da tua íntima dor. E para saboreares a tua tristeza vou recomendar-te também um prato melancólico: couve-flor em brumas. Trata-se de cozer em vapor de água essa flor branca, triste e consistente. Devagar, com aquele odor que tem o próprio hálito que a boca exala nas lamentações, ela vai cozendo até amaciar. E envolta em bruma, no seu vapor fumegante, põe-lhe azeite e alho e alguma pimenta, e salga-a com lágrimas que sejam tuas. Então saboreia-a devagarinho, mordendo-a do garfo, e chora mais, chora ainda, que aquela flor acabará por ir chupando a tua melancolia sem te deixar seca, sem te deixar tranquila, sem te roubar a única coisa que é tua naquele momento, a única coisa que já ninguém te poderá tirar, a tua tristeza; mas com a sensação de teres partilhado com essa flor imarcescível, com essa flor absurda, pré-histórica, com essa flor que os noivos nunca pedem nas floristas, com essa flor de couve que ninguém põe nas jarras, com essa anomalia, com essa tristeza florescida, a tua própria tristeza de couve-flor, de planta triste e melancólica. "


Receitas de amor para mulheres tristes Héctor Abad Faciolince

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